domingo, 28 de fevereiro de 2021

Os cruzados e a cidade santa de Jerusalém

Psalterio medieval: Jerusalém é representada no centro do mundo
Psalterio medieval: Jerusalém é representada no centro do mundo
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Ó Jerusalém! o amor de minha alma, a alma de meus pensamentos e de meus desejos, os desejos de meu coração, o coração de minhas afeições e as afeições de minha vida, ai de mim! sois vós que eu procuro.
P. Boucher, peregrino nos lugares santos.

Jerusalém, a mais célebre e sem dúvida a mais misteriosa das cidades que brilharam sobre a terra, era, para os hebreus, o que Roma é para nós: o centro augusto de sua nacionalidade religiosa e o ponto rumo ao qual se voltavam seus corações para orar.

Todo filho de Israel deveria viajar para a cidade santa, e todos aqueles que podiam, iam lá celebrar todos os anos a festa da Páscoa. Eis aí, portanto, a mais ilustre e mais antiga peregrinação.

É neste local que nos dias de Abraão, o rei de Salém, no país dos Jebuseus, Melquisedeque, anunciava o mais adorável de nossos mistérios, oferecendo a Deus, por sacrifício, o pão e o vinho. É ali que o Senhor escolheria mais tarde seu santuário.

Ali todos os profetas anunciaram os acontecimentos futuros escritos nos santos Evangelhos.



Contudo, o povo de Deus, frequentemente infiel, ou mesmo ingrato, também mereceu constantemente os grandes reveses que testemunharam tão claramente o governo temporal da Providência. Mais de uma vez a cidade de Jerusalém, saqueada, expiou suas traições.

Ela estava no alto e radiante quando o Redentor, que queria salvá-la, chorou sobre ela.

Infelizmente! se fomos resgatados em seu seio pelo sacrifício infinito que regenera o mundo e nos abre os céus, foram seus filhos que cometeram o deicídio. Por isso, ela deveria expiar mais uma vez suas faltas.

Contudo, e apesar da espera do castigo que estava anunciado, os discípulos de Cristo sabiam que as vias de Jerusalém tinham conservado a marca dos passos do Homem-Deus, que Ele havia falado em seu templo e em suas sinagogas, que Ele havia feito, dentro de seus muros, milagres que os perversos podiam atribuir a Belzebu, mas que ninguém poderia negar.

Mapa medieval de Londres até Jerusalém
Mapa medieval de Londres até Jerusalém
É ali, portanto, que se dedicariam em multidão os primeiros peregrinos da Cruz; é ali que se reuniriam os apóstolos; e é em Jerusalém que ocorrerá o primeiro Concílio, no ano 51, 18 anos após a morte de Nosso Senhor.

18 anos mais tarde, a cidade culpada, investida pelos romanos, sofre as angústias que lhe haviam sido preditas. Tomada, saqueada, destruída de cima a baixo, ela desaparece da face da terra.

Talvez, cabe a propósito assinalar aqui que, diante desta imensa ruína, Tito, o príncipe pagão, escrevera: “Foi Deus que expulsou os judeus; não fui eu que venci; minhas mãos só foram o instrumento da vingança divina.”

Contudo, o Calvário permaneceria para os peregrinos; eles continuaram a vir de todas as partes procurar, nos escombros da Via dolorosa, o Cenáculo, aonde o Espírito Santo veio sobre os primeiros convivas da Eucaristia; a colina da Ascensão e todos os vestígios da passagem do Homem-Deus.

As perseguições, abertas por Nero, logo se espalharam. Contudo, uma maior dor estava reservada aos cristãos. O imperador Adriano, confundindo-os com os judeus, profanou os lugares santos, levantando uma estátua de Júpiter no lugar da ressurreição; uma estátua de Vênus no Calvário; uma estátua de Antínoo na gruta de Belém.

Essas infâmias só desapareceram inteiramente sob o reinado de Constantino. Esse príncipe, convertido ao cristianismo, purificou os lugares santos, construiu a igreja do Santo Sepulcro, estabeleceu santuários em Belém, Nazaré e Hebron; e quando Santa Helena, sua augusta mãe, encontrou a santa cruz, houve ali um concurso de peregrinos jamais visto antes. Ele deveria se suceder, apesar dos obstáculos que o inimigo ainda viria suscitar.

Todos sabem que Juliano, o Apóstata, ao mesmo tempo em que tentava re-estabelecer o paganismo, quis, 300 anos após a destruição de Jerusalém, contrariar a pregação de Jesus Cristo reerguendo esta cidade.

Sabe-se também como ele não obteve sucesso.

Uma multidão de testemunhas autênticas, entre as quais, Ammien Marcellin, célebre pagão, constataram que os judeus, que aplaudiram os projetos do apóstata, mal haviam cavado as fundações dela, quando chamas, emanadas do solo, devoraram os trabalhadores e seus materiais.

Várias vezes, e em diversos lugares, esse prodígio se renovou, e o pérfido imperador renunciou à sua luta.

Esses milagres marcaram de tal forma os povos, que o número de peregrinos cresceu ainda mais, e com maior zelo.

Toda alma ardente queria visitar o Calvário, o jardim das Oliveiras, a igreja do Santo Sepulcro. Ora, neste canto do mundo, o cristão via Deus presente por toda parte.

Mapa medieval de Jerusalém
Mapa medieval de Jerusalém
Desde o século IV, encontravam-se entre os peregrinos, Santo Eusébio, São Policarpo, São Jerônimo, São Paulo e Santo Eustáquio, que viveram juntos desde a infância; e rapidamente o número de cristãos que se impunham a viagem até Jerusalém se tornou tão grande, que se fez necessário um itinerário específico para esse uso, além de navios vindos de toda parte.

Assim, durante os séculos V e VI, casas eram construídas em torno dos lugares santos, e muitos cristãos, vindos de todas as partes do mundo, quiseram, como São Jerônimo, morrer na terra da salvação.

Contudo, em 614, Jerusalém, que respirava um pouco, foi assediada pelos Persas.

O abominável Cosroes II, seu rei, destruiria tudo a ferro e fogo, vendendo os cristãos feitos prisioneiros para os judeus, e lhes roubando a santa Cruz.

Inimigo furioso de Cristo, e vaidoso por seus triunfos, ele havia jurado fazer guerra aos romanos e de lhes conceder a paz somente na condição de que esses renunciassem a Jesus Cristo para adorar o sol, que era seu deus.

Algum tempo depois, ele seria vencido pelo imperador Heráclito e, vergonhosamente derrotado, encontraria odiosamente o fim de seu reino e de sua vida.

Heráclito, por sua vez, só concedeu a paz a Siroes, sucessor do monstro, após ele lhe entregar a santa Cruz.

Ele então a levou para Jerusalém, e atravessou, descalço, a Via dolorosa, carregando-a sobre seus ombros até o lugar venerado aonde os judeus a tinham plantado no dia do grande sacrifício.

A comemoração deste triunfo é uma das festas da Igreja [Exaltação da santa Cruz, 14 de setembro].

Infelizmente! esta nova paz dada à Jerusalém não seria longa.

Em 632, a Palestina foi conquistada por Omar, um dos primeiros sucessores de Maomé.

(Autor: J. Collin de Plancy. “Légendes des Croisades depuis les premiers temps jusqu'a nos jours”, Henri Plon, Paris).

continua no próximo post: A cidade santa profanada inspira a Cruzada




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