domingo, 25 de outubro de 2020

Idade Média: modelo para imitar, mas não para copiar servilmente

Coroa da rainha Maria, século XIX
Coroa da rainha Maria, século XIX

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Qual é para nós hoje o remédio, depois de alguns séculos de um processo complicado de crescimento e degenerescência simultâneos?

Voltar pura e simplesmente à Idade Media?

Seria uma solução tão simplista quanto a do medico que julgasse consistir a cura do adolescente, já feito moço, em voltar aos seus 15 anos. 

É preciso curar a tuberculose, e não fazer voltar atrás os ponteiros do relógio.

E neste ponto o discurso de Pio XII (aos membros do X Congresso Internacional de Ciências Históricas, 7 de setembro de 1955) contém um princípio que domina do mais alto todo o assunto.

A doutrina do Evangelho é imutável. Mas, ao ser posta em pratica, ela deve atuar sobre inúmeras circunstâncias concretas das mais variáveis, ordenando-as, corrigindo-as, elevando-as. 

E como uma civilização católica, considerada no plano histórico, é sempre a realização dos princípios doutrinários imutáveis do Evangelho, em circunstâncias históricas mutáveis, como de outro lado a Igreja não esta vinculada senão à Revelação.

Dai decorre que Ela não Se identifica com qualquer cultura, ou qualquer civilização, por mais que lhes tenha servido de fonte de inspiração.


Iluminação publica, Viena
Iluminação publica, Viena

Princípio altíssimo, princípio fecundo, que melhor se compreende em toda a sua extensão, considerando-lhe a aplicação, a titulo de exemplo, numa esfera mais acessível, isto é, a esfera individual.

Tenhamos em vista, assim, não a história de um século, mas a de um homem, a de um Santo. 

Cada Santo dá uma realização plena aos preceitos e aos conselhos do Evangelho. 

Mas esta realização tem como campo de ação as circunstâncias pessoais e culturais do Santo.

A Igreja impõe que se imite o exemplo dos Santos?

Cumpre distinguir.

Em seu espírito, nos princípios que os nortearam, sim, mas no que decorria de circunstâncias históricas continentais, não.

Santo Antônio falou aos peixes. Quer isto dizer que todo católico deve ir ao litoral e convocar os peixes para uma conferencia? Não.

São Simeão Estilita passou a vida no alto de uma coluna. Quer isto dizer que o mundo se deva transformar numa floresta de colunas, com um bom católico no alto de cada uma? Também não.

Mas o espírito dos Santos, as regras de moral que praticaram, a virtude de que deram mostras, isto é perene, isto é imitável em todos os tempos e lugares.

Assim com a Idade Média. Tudo quanto nela foi inspiração dos princípios católicos, devemos desejar vê-lo revigorado no mundo inteiro. Mas o que foi circunstancial pode mudar.

Ovos de Fabergé, século XIX
Ovos de Fabergé, século XIX

Como distinguir o essencial do circunstancial? A tarefa comporta riscos consideráveis. 

Pois se há um excesso possível, no se considerar imutável algo que foi circunstancial, há também outro excesso possível, no se considerar circunstancial algo que é imutável. Isto não quer dizer que esta distinção não deva fazer-se.

Quer dizer que deve fazer-se com muita prudência, muito tato, muito amor à Igreja. E muita desconfiança de que nos influenciem os erros tão pertinazes, tão aliciantes, de nosso século.

Um exemplo para ilustrar o assunto. A Igreja ensina ser obrigação do Estado professar a Religião Católica oficialmente, e organizar-se segundo os ditames do Evangelho.

Na Idade Media, os Estados cristãos cumpriram este dever. 

O mesmo ideal continua a ser o de todos os católicos... não “progressistas”.

Mas isto não quer dizer que muitos dos pormenores concretos dessa união ‒ estilos e protocolos, por exemplo ‒ não mudem conforme os tempos e os lugares. 

E é bem de ver que o campo do contingente não se limita a pormenores tais. 

Basta ler para este efeito a alocução de Pio XII.

Ovo Imperial com castelos dinamarqueses, Fabergé sec. XIX
Ovo Imperial com castelos dinamarqueses, Fabergé sec. XIX

Se, pois os católicos podem e devem inspirar-se no passado, é para imitá-lo, e não para o copiar servilmente.

A própria Idade Média, lembra o Pontífice, tomou inspiração em épocas e culturas anteriores.

Sem os ridículos e nefastos excessos da Renascença, nutriu-se ela do leite rico da cultura clássica, do vinho forte de certos costumes germânicos, e das tradições de Fé dos séculos que a precederam.

O que significa que tomou elementos culturais contingentes, para fazer a sua grande obra.

De onde decorre que outras culturas católicas são possíveis, igualmente fiéis ao espírito da Igreja, mas alimentadas de seivas diferentes.

E com isto Pio XII abre largamente os braços para as nações hoje ainda pagãs. 

Pode haver no Japão ou na Pérsia, desde que se convertam, uma cultura católica que assuma, purifique, eleve e ordene todos os valores tradicionais daqueles países.

Iluminação pública, Bilbao, Espanha
Iluminação pública, Bilbao, Espanha

Claro está que, neste sentido histórico da palavra “cultura” terá nascido uma autêntica cultura católica nova, profundamente afim com a do Ocidente enquanto católica, profundamente diversa enquanto persa ou japonês.

E Pio XII quer mostrar bem claramente aos povos gentios que a Igreja não deseja de modo nenhum desnacionalizá-los, nem ocidentalizá-los.

Católica, a Igreja entretanto não é cosmopolita. 

Ao contrário do que hoje se pratica, Ela não quer impor ao mundo inteiro uma mesma arte, um mesmo estilo de vida.

Na imensidade de seu coração, cabem todos os povos folgadamente, de sorte que o suíço continue inteiramente suíço sendo profundamente católico, e o mesmo suceda ao afegão, ao esquimó ou ao bororó.

Ela não sente necessidade de os reduzir a uma matéria-prima única e informe para os abranger todos. 

Cabem portanto em seu seio todas as culturas, em tudo aquilo que tenham de naturalmente bom, e aceitável pela Igreja, sob a condição de que se deixem guiar por sua doutrina e embeber inteiramente de sua vida sobrenatural.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, “Fidelidade ao passado e liberdade de ação para o futuro”, Catolicismo nº 61, janeiro de 1956)






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